8 de março de 2014

"A mulher na Alemanha" - Parte I


Olá, queridos leitores e leitoras, como parte das comemorações do "Dia Internacional da Mulher", convidei algumas mulheres para escreverem livremente sobre o tema "A mulher na Alemanha". O resultado está aqui: dois textos de brasileiras vivendo na Alemanha e um texto de uma alemã (em alemão e sem tradução, para o público com alemão mais avançado).

Que neste dia nós reflitamos sobre os direitos já conquistados e o que ainda falta para que haja igualdade entre os sexos.

Para ler a parte II (em português), clique aqui.
Para ler a parte III (em alemão), clique aqui.

8. März - Weltfrauentag

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"Ser mulher na Alemanha"

Às vezes é maravilhoso e outras vezes é horrível ser mulher. Acho que isso vale pra qualquer lugar do mundo. Por isso acho que o que muitas vezes faz a experiência de  ser o outro sexo aqui na Alemanha um pouco diferente são os pequenos detalhes.

Talvez o mais interessante deles é o fato de que desde que cheguei aqui, toda vez que digo que me visto pra mim mesma, sinto que estou falando a mais pura verdade. Quando estou no Brasil, são muitos fatores que influenciam minha escolha em frente ao guarda roupa pela manhã. Tristemente, a maioria deles tem a vem com as situações desagradáveis que alguns homens mal educados já me fizeram passar. Perdi as contas de quantas vezes troquei de roupa antes de sair por medo e falta de paciência para piadinhas e cantadas de rua. Nunca tive de me preocupar com isso desde que cheguei aqui. O que percebo é que aqui as mulheres se vestem como querem e os homens parecem ter o dom de saber discernir os momentos e locais nos quais uma cantada pode ser bem vinda.

Fazia pouco tempo que tinha chegado na Alemanha, quando notei que, ainda condicionada por baixarias que tinha ouvido no Brasil, acelerava o passo ao passar por uma obra se vários homens estivessem reunidos. Mas aos poucos comecei a notar que essa mecanismo de defesa era totalmente desnecessário por estas bandas . Cheguei até a fazer pequenos experimentos, arrastando o passo de propósito ao passar por perto de  um grupo de homens pra ver se ouviria algum comentário desagradável e fiquei feliz com o resultado. Os alemães passaram no teste! Em frente a uma construção, por exemplo, eles se abstiveram de fazer qualquer comentário, não pararam seus trabalhos e se gostaram do que viram, não me deixaram perceber. Experiências como essas fazem com que seja mais fácil pra mim, enquanto mulher, me sentir igual aos homens ao invés de me sentir ameaçada por eles. Isso dá uma sensação incrível de leveza e liberdade que eu aprecio muito.

Mas nem tudo na minha realidade de mulher por aqui é cor de rosa. Existe também um fenômeno que me intriga e entristece. Nas universidades de todo país, o número de estudantes mulheres é geralmente superior ao de homens. No entanto a presença das mulheres em cargos de chefia e entre os grandes doutores na ciência ainda é bem desproporcional ao número que começa lá embaixo no início da escalada educacional. Se pegarmos uma lupa pra analisar direitinho o que acontece com as carreiras das mulheres aqui, percebemos que nós temos uma tendência maior do que os homens a interromper nossos estudos e também temos mais dificuldade de manter nossos cargos quando finalmente chegamos lá. Infelizmente esse é um problema sério aqui, o famigerado "teto de vidro", ou conjunto de fatores muitas vezes invisíveis que atrapalham o crecimento de alguém ou algum grupo.

Nós, mulheres, desfrutamos das mesmas oportunidades que os homens e geralmente conseguimos crescer profissionalmente de igual pra igual também. Isso é, até bater a vontade de ser mãe. Por se tratar de uma sociedade extremamente individualista e que tende a colocar a família em segundo plano, as pessoas quase nunca podem contar com uma rede de apoio familiar que ajude com os cuidados dos pequenos para que o pai e mãe possam trabalhar. Quem tem filho pequeno também não pode contar muito com a compreensão dos patrões e colegas de trabalho e são exigidos o mesmo tipo de engajamento profissional que qualquer outro funcionário. Até certo ponto tudo bem, mas isso quase sempre acaba significando que quando um casal resolve ter filho um dos dois acaba reduzindo  suas horas no trabalho ou fazendo uma pausa profissional pra cuidar dos filhos. Embora muitos homens aqui tirem licença paternidade enquanto suas parceiras continuam trabalhando, o mais comum ainda é o contrário. Voltar ao mercado de trabalho depois dessa pausa e ter de competir com quem está cheio de energia e conhecimento por nunca ter parado nem sempre é a coisa mais fácil do mundo. E por isso haja mulher cheia de potencial vendo suas carreiras estagnando.

Pensando bem, talvez esse não seja um problema exclusivo da Alemanha e sim de todas as sociedades modernas e industrializadas. No final das contas, eu continuo sentindo que a Alemanha é um bom lugar pra ser mulher. Aqui percebo que há um constante esforço tanto da sociedade quanto da política para combater o machismo e desigualdades de gênero. No geral recebemos muitas oportunidades para crescer e nos fortalecer enquanto mulheres e isso é sempre bom. O resto são questões que sempre irão existir onde quer que existam pessoas distintas tendo de conviver com suas peculiaridades. Com essa certeza, quando me parece que estou vivendo alguma dificuldade pelo fato de ser mulher, procuro me lembrar de um detalhe importantíssimo. Me lembro que aqui, ao contrário de muitos outros lugares mundo afora, tenho o luxo de poder fazer minhas próprias escolhas.E isso me faz rapidinho voltar a me sentir melhor com minha dose dupla de cromossomos X.

Feliz dia das mulheres!

Texto escrito por Cris Oliveira, autora do blog "A Saltimbanca"(http://soltandoosverbos.blogspot.de/)

Comentário do blogueiro: Cris, isso me lembrou um pouco desse vídeo aqui sobre italianos e alemães, a partir do minuto 1:19.

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