Eu sei da fama da língua alemã: "Deustche Sprache, schwere Sprache", é o que se diz até na Alemanha. Mas será mesmo que toda a culpa do aprendizado da língua alemã recai apenas na sua gramática "incrivelmente difícil"? No meu aprendizado pessoal da língua alemã (que já contei
aqui), eu tive uma sorte tremenda: Eu nunca tinha ouvido falar que alemão fosse difícil. Eu não fazia a menor ideia. Acho que isso me fez estudar alemão sem o menor medo.
Mas vou alistar algumas coisas aqui que realmente vejo atrapalhar o aprendizado do idioma alemão, tanto para meus conterrâneos que moram na Alemanha quanto os que moram no Brasil.
1) Medo de errar por não saber o gênero das palavras ( "der", "die", "das")
Vou confessar algo: quando ainda estava aprendendo alemão, eu comecei a praticar o idioma pela internet. Uma das minhas dificuldades era justamente esquecer (ou não saber) o gênero de algumas palavras. Então pra escrever uma simples frase eu parava pra buscar o gênero no dicionário e formular a frase. Isso era um "chat" ou "troca de e-mails", então dava tempo de fazer isso. Mas imagine se fosse falando?!?!?
Muito brasuca (ou portuga) evita abrir a boca com medo de dizer coisas do tipo "minha pai" ou "dois pessoas". Mas temos que fazer uma diferenciação. Uma coisa é aprender alemão pra passar numa prova. Outra coisa é aprender para se comunicar. Trocar os gêneros das palavras geralmente não atrapalha a comunicação. Se seu objetivo é apenas conversar com alguém, relaxe um pouco mais e fale mesmo com os gêneros errados. É sério... é melhor falar com todos os artigos trocados do que trocar pra inglês. Você tem que se forçar a falar se quiser melhorar sua capacidade de falar.
Tá.. seu objetivo não deve ser falar a vida toda assim, mas se isso for uma das razões que te impeçam de falar, pelamordideos, relaxe e FALE! Um alemão que fala "Minha dia foi boa" só porque "dia" termina em "a" consegue passar sua mensagem mesmo assim. Então se você disser um "Meine Tag" em vez de "Mein Tag", relaxe. Agora, tente trabalhar isso pra não ficar falando assim pra sempre. Mas se for só isso que está deixando você mudo(a), relaxe e fale mais.
Pra mim, acertar o "der, die, das" é comparável a aprender a escrita e pronúncia do inglês. No começo a gente vê uma palavra (como "s
ea" e "b
ear") e não sabe como pronunciar. Depois com o tempo a gente vai se acostumando a ler em inglês até palavras que nunca viu antes. Vez por outra se comete um erro, mas é algo de costume. O "der, die, das" pode parecer difícil no começo, mas com o tempo realmente se acostuma. Vez por outra a gente comete um erro, isso é normal.
Para aprender algumas regras para saber os gêneros, clique
aqui.
2) Estuda muita gramática, mas esquece vocabulário
Tem gente que gasta horas e horas e horas estudando acusativo e dativo, preposições, conjugações. Isso é ótimo. Mas nós, professores, temos que usar sempre os mesmos exemplos: "der Tisch", "das Buch", "die Lampe", os verbos de sempre "helfen, kaufen, sehen etc.", os advérbios de sempre "heute, gestern, hier etc." para não correr o risco de não ser entendido.
Tomemos um exemplo:
kaufen. Um alemão sabe dizer mais do que só "kaufen". Há muitos verbos com significados bem semelhantes:
erwerben, sich etwas anschaffen, sich etwas besorgen etc. Aumentar o vocabulário deve ser tarefa constante de todo estudante que queira melhorar sua compreensão no idioma. Não dá pra esperar que todo alemão use apenas aquela frase que apareceu no diálogo do seu livro.
Não estou dizendo que um aluno iniciante precisa saber todas essas palavras. O que quero dizer é que não se deve medir o conhecimento do idioma apenas pelo aprendizado da gramática. Muita gente vai passando de um nível pra outro aprendendo estruturas gramaticais cada vez mais complicadas, mas sem aprender novas palavras.
O ideal é que você estude novas palavras por conta própria e que aprenda novas palavras através do uso autêntico da língua em situações de comunicação. Acredite, a maioria das vezes em que você não entende algo que um alemão disse é porque lhe falta vocabulário. Só depois dos problemas de vocabulário é que vêm os problemas em entender a estrutura da frase. Mesmo que você não entenda bem acusativo e dativo, é bem provável que você entenda o que alguém te disse apenas por conhecer as palavras que ele usou.
Estudar vocabulário é algo que você vai fazer pra vida toda. Chega-se num nível de alemão em que você conhece praticamente todos os fenômenos gramaticais e o entendimento falha apenas por você não conhecer uma palavra ou expressão.
Eu mesmo, quando dou exemplos no blog, procuro usar só palavras fáceis para garantir que alunos iniciantes também entendam. Mas sei que na prática os alemães usam mais palavras do que as que aparecem nos livros.
Quer saber como aumentar vocabulário? Clique
aqui.
3) Não estuda no Brasil, esperando ficar fluente só na Alemanha
Quantas pessoas em cursos de línguas do Brasil repetem pra si mesmas "Nem vale a pena fazer curso. Só se aprende mesmo estando no país"? Inúmeras!
Para os que ainda acreditam nisso, sinto muito: há inúmeros brasileiros jovens vindo com bolsa de estudo para a Alemanha, passam 1 ano (às vezes 1 ano e meio) aqui e mesmo assim voltam sem alemão fluente. Ou seja, a estadia num país não é garantia de aprendizado de uma língua.
Por que isso tem acontecido tanto?
1) Quem sai do Brasil com pouco ou nenhum conhecimento de alemão não consegue manter nenhuma conversa em alemão assim que chega (o que pode ser meio frustrante)
2) Por isso, as conversas tendem a ser em inglês ou em português (
hoje em dia basta uma mensagem no Facebook perguntando "Quero conhecer brasileiros que morem na cidade X?" para fazer amizades com brasileiros). Com isso, o que deveria ser um ano (ou 18 meses) aprendendo e praticando alemão passa a ser um ano falando inglês e português - não muito diferente do Brasil, onde a pessoa sai do curso de alemão, mas fala português na rua.
3) Mesmo fazendo curso de alemão na Alemanha e mesmo morando com alemães, vai demorar meses até a pessoa adquirir vocabulário e estruturas gramaticais suficientes para manter uma conversa descontraída com alguém. Até lá, a maioria dos alemães que você conhecer já vai ter se acostumado a falar inglês com você e vai ser muito difícil chegar o momento em que você diga "Por favor, vamos falar só alemão a partir de agora, preciso praticar mais". Quando esse momento chegar, talvez já esteja perto da hora de voltar.
4) Para aqueles que vieram para fazer intercâmbio na universidade, vão perceber o quanto poderiam aproveitar melhor as aulas, os livros da biblioteca, as vagas de estágio se soubessem melhor alemão. A motivação para adquirir fluência talvez venha tarde demais.
5) Nem tudo é negativo. O positivo sobre a estadia no exterior é que a pessoa passa a ver e ouvir alemão sendo usado normalmente para conversar (não como uma língua de ETs). O básico é aprendido
rápido e em pouco tempo a pessoa já sabe o tanto de alemão necessário para sobrevivência (comprar, perguntar o preço, agradecer, dizer algo como "Desculpa, meu alemão não é bom. Alemão é muito difícil" arrancando risadinhas dos nativos que passam a falar inglês com o(a) brasileiro(a))
P.S. Mas eu dou os parabéns a TODOS os que vieram com pouco conhecimento de alemão, mas que aproveitaram a estadia aqui para se dedicarem ao estudo da língua e conseguiram chegar a um nível alto de fluência. Nada é impossível! Parabéns!
Como se pode quebrar esse ciclo?
1) O ideal seria estudar
o máximo que puder da língua antes de sair e aplicar (ainda no Brasil) primeiramente esses conhecimentos com pessoas da internet. Há inúmeros sites onde é possível procurar pessoas para praticar e fazer intercâmbio de idiomas (não é dar aula, é apenas para praticar). Se todo mundo chegasse com o nível B1 concluído, já seria suficiente para se sentir mais à vontade para usar a língua desde o primeiro dia.
Exemplo: Procurem pessoas no site
italki ou no
Conversation Exchange.
2) Quando chegar à Alemanha, mesmo que você fale inglês nos momentos em que o vocabulário do alemão não ajudar, você terá mais segurança de se aventurar tentando falar alemão. Como você ousa fazer frases mais longas, conseguirá manter mais conversas.
3) Se o seu interlocutor alemão perceber que você está tendo dificuldade para manter uma conversa, pode ser que ele tente falar inglês com você. Seja persistente e peça-lhe que tenha paciência e diga que você precisa praticar seu alemão. Os alemães mais jovens adoram usar os estrangeiros para praticar o inglês deles. Corte as asinhas deles. Se ainda for muito difícil falar alemão, tente estabelecer horários fixos para falar alemão. Por exemplo, se seu companheiro de casa quiser praticar inglês com você, vocês podem combinar de falarem 30 minutos em alemão antes de mudar pro inglês.
4) Faça cursos de alemão. Se você vier já com o
nível B1 completo (aqui refiro-me não ao nível que aparece no teste onDaF, mas sim ao seu nível real, baseado naquilo que você sabe de fato), vai ser fácil aproveitar o seu tempo de estadia para chegar aos níveis mais altos no idioma. Já que no Brasil cursos de alemão avançado são difíceis de encontrar, o melhor lugar pra fazer esses cursos é aqui na Alemanha. Então, em vez de aproveitar seu intercâmbio pra fazer um curso do nível A1, é melhor fazer no Brasil e aproveitar a estadia aqui para fazer cursos mais avançados. Vale a pena sair do Brasil com conhecimentos de alemão que vão além do
basicão.
4) Passa a maior parte do tempo no exterior em contato com brasileiros (ao vivo e on-line)
A primeira coisa que a maioria dos conterrâneos têm feito ao sair do Brasil é procurar brasileiros.
Antes de qualquer coisa: eu não acho ruim ter amigos brasileiros no exterior. Eu tenho vários. E eu acho que preciso deles, sim, para poder extravasar a vontade de falar português, de falar sobre coisas do Brasil, de cantar músicas brasileiras etc. Isso é normal. Mas estou numa posição confortável, pois já falo alemão. Além disso eu trabalho com alemães, tenho amigos alemães, falo português e alemão diariamente.
Ou seja, o problema não é contato, em si, mas a proporção entre "grupo com quem falo alemão" e "grupo com quem falo português" ou "horas gastas falando/estudando alemão" e "horas gastas falando português". Aí é que mora o problema.
Por que isso acontece?
- Muitos brasileiros que vivem atualmente na Alemanha têm vindo através de programas de intercâmbio. Muitos têm direito a fazer um curso de alemão ao chegarem no país. Acontece que o programa acaba colocando muitos brasileiros na mesma cidade fazendo o mesmo curso. Impossível ter um grupo internacional de amigos quando na sua turma do curso quase todo mundo vem do Brasil (mais um motivo para você aprender alemão antes de vir, pois aqui você vai aprender tal como no Brasil, ou seja, falando português depois do curso)
- Outra razão para os brasileiros se enturmarem rápido com outros brasucas é o ponto número 3. Como chegam com poucos conhecimentos de alemão, demoram muito para fazer amizades com alemães. Ninguém quer ficar num país sem amigos, né? Então pra não deixar o lado social morrer, as amizades são feitas com outros intercambistas.
Além disso:
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O vício no Facebook tira a atenção dos estudos.
Mesmo no exterior, é muito tempo gasto
com a língua portuguesa on-line. |
- Para piorar esse quadro, a internet e as redes sociais fazem com que os brasucas gastem HOOOOOOOOOORAS on-line no Twitter, Instagram, Facebook, Whatsapp etc. postando fotos, lendo comentários, escrevendo comentários, enviando mensagens, lendo notícias etc. Ou seja, a pessoa pode estar na Alemanha, mas sua cabeça, mente e coração estão no Brasil o tempo todo.
- O tempo gasto com seus amigos no Brasil faz com que você tenha a impressão de que só eles são legais, enquanto os alemães não são tão legais quanto seus amigos do Brasil (claro, você está na Alemanha, mas gasta todo o seu tempo e energia conservando suas amizades no Brasil via internet).
Como se pode quebrar esse ciclo?
Alemães têm a fama de serem frios. Independente de isso ser clichê ou não, a verdade é que a atenção dada a um estrangeiro aqui é bem menor do que os gringos recebem no nosso país. Mas colocar toda a culpa da falta de amizades apenas nos alemães eu acho meio injusto. Além disso, lembre-se de que você não precisa ter necessariamente amigos alemães. A pessoa pode vir de qualquer país. Basta que ela e você usem o alemão como língua para comunicação. Ela pode vir até da Turquia, do Irã, da Suécia, da Rússia etc. O que importa é que vocês falem alemão.
Onde se conseguem amigos? Ora, nos mesmos lugares onde você encontrou os seus amigos do Brasil. Tente recapitular de onde você conhece seus melhores amigos do Brasil: provavelmente são colegas da escola, colegas da faculdade, colegas do trabalho, vizinhos (ou pessoas da república), amigos da academia (ou do clube de futebol, de natação, do karatê etc.), amigos da igreja etc.
Quer fazer mais amigos alemães? Então saia da internet e comece a interagir mais com as pessoas na vida real. Tente se matricular em cursos (de idioma, de ioga etc.), fazer esportes de equipe, se gosta de cantar, procure um coral, procure uma
Verein (sei lá, grupos de vegetarianos, de feministas, de gays, de estudiosos da Bíblia etc.)... Através de um gosto em comum você terá a chance de conhecer pessoas.
Se for estudante, tente morar numa república com alemães (ou alguém com quem você fale alemão). Na faculdade tente se enturmar com seus colegas.
Meus amigos de Bremen eu conheci por acaso. Conheci um numa festa, que me apresentou outro, que me convidou pra um jantar em sua casa onde eu conheci vários outros... As amizades vão nascendo assim. Três deles já foram comigo pro Brasil. Recentemente comecei um curso, depois do curso voltei pra casa no mesmo bonde que um dos meus colegas (ele é da Zâmbia, está aqui há 2 anos e conversou comigo só em alemão). Não precisa ter 100 amigos. Basta você ter pessoas com quem fale alemão. Isso não impede que eu também tenha amigos com quem falo português. A questão aqui é saber balancear isso.
Eu sei que é difícil... você não consegue amigos depois de sair pra tomar cerveja uma vez com alguém (ou talvez sim???). De qualquer forma evite achar que "todo alemão é assim e assado". Diminua o tempo no Facebook (a não ser que você passe mais tempo lendo páginas em alemão no Facebook para balancear. Essas bobagens que o pessoal costuma postar no Facebook também são postadas em alemão. É só procurar)
5) Faz curso de alemão, mas não estuda nem tem contato com a língua fora dele
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Quelle: http://bit.ly/1fYmdEx |
Quantos filmes alemães você viu esse mês (mesmo que tenha sido em alemão com legendas)? Quantas canções em alemão você sabe cantar de cor? E quantas delas você sabe cantar trechos? E quantas canções em alemão você ouviu essa semana mesmo sem saber cantá-la? Quantos minutos/horas do dia ontem você passou fazendo exercícios e/ou estudando alemão (fora do curso)? Quantos textos em alemão você escreveu essa semana (fora do curso)? Com quantas pessoas você conversou em alemão esse mês (fora do horário da aula de alemão)?
Bem, se você respondeu a essas perguntas com número próximos do zero, você ainda tem alguma dúvida do porquê não conseguir aprender a língua? Será mesmo que a culpa é só da "gramática difícil"? Ou será que falta um pouquinho de esforço?
Quando for se matricular no curso de alemão, lembre-se: o curso não vai fazer você APRENDER alemão. O tempo que você gasta em contato com a língua FORA DO CURSO é o diferencial. Lembre-se disso! Não espere que o seu curso organize aulas de imersão. Faça você mesma a sua imersão na língua.
Além disso: lembre-se de não tratar o curso de língua como uma matéria da escola, onde você briga por décimos para ser aprovado. O importante é aprender a língua, não a nota. Se você notar que suas notas estão baixas, não adianta ficar passando pro semestre seguinte sem tentar rever seus pontos fracos. Fale no curso em alemão, mesmo quando não for pedido. Escreva textos em alemão e peça para o seu professor corrigir, mesmo quando não for tarefa de casa. Nada de ficar mudo no curso. Fale! Escreva! Use a língua. Curso de língua serve para isso.