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22 de outubro de 2014

Vida na Alemanha: Água


Impressões e reflexões de um brasileiro em terras germânicas.

Wasser! Água foi uma das primeiras coisas que comprei ao vir para a Alemanha pela primeira vez. Lembro-me de que fui a um supermercado, comprei uma garrafa de um litro e meio de água mineral. Fiquei na dúvida se a água era com gás ou não. (Na época eu não sabia que "gás" era Kohlensäure). Detesto água com gás. O preço da garrafa eram míseros € 0,19. Ao passar no caixa, a moça me cobrou € 0,44. Estranhei, mas paguei. Depois descobri que se cobravam mais € 0,25 pela garrafa (que seriam devolvidos caso eu levasse a garrafa para recliclagem): o famoso Pfand. Abri a garrafa. Era água com gás.

Aliás, água potável para alemães é sinônimo de "água com gás". E se disser "Desculpa, eu não gosto de água com gás", ainda tem que ouvir um "Mas essa tem pouco gás". Tenho vontade de responder sempre "Mas tem o gosto horrível mesmo assim", mas mantenho a educação e digo "Pode ser da torneira mesmo".

Descobri só mais tarde que não havia problema em se beber a água da torneira. Quem nasce no Nordeste do Brasil jamais tem a coragem de beber água direto da torneira. Mas no Sul do Brasil, sim. No Rio Grande do Sul (onde morei) a água saía branca de tanto cloro. As pessoas lá bebiam da torneira. Não estava com pena de gastar € 0,19 na garrafa de água, mas ter ainda que levar as garrafas pra casa na mão? Um saco. Preferi beber água da torneira então. Aí me disseram: "cuidado, a água da torneira tem muito Kalk (uma espécie de cal)". Alguns alemães compram um aparelhinho chamado Wasserentkalker (descalcificador de água). Sempre fico de comprar um, mas até agora continuo bebendo a água com Kalk mesmo. Preguiça.

Uma coisa boa de se beber água da torneira é que ela já sai gelada. Não há necessidade de encher garrafa pra colocar na geladeira. Mesmo que isso fosse necessário, na torneira dá pra encher uma garrafa em segundos. A tarefa de encher as garrafas de água do filtro era o pesadelo de todas as crianças da minha geração.

Coisa boa da Alemanha é tomar banho quente. No Nordeste quase ninguém tem chuveiro elétrico. Não por falta de dinheiro, mas é que o clima é tão quente que é um luxo desnecessário. Minha avó dizia que banho morno era pra quando se está doente. Na Alemanha, tem banho quente à disposição o ano todo. E não são aqueles chuveiros elétricos que dão choque quando você põe a mão, não. O sistema de aquecimento da casa se encarrega de levar água quente para as torneiras, chuveiro e máquina de lavar. Coisa boa um banho quente.

Eu sei, eu também quero. Onde se pode comprar um?
Só mais tarde descobri a relação dos alemães com os banhos. Dizem que brasileiro toma muito banho. Eu sempre achei exagero quem toma mais de dois banhos por dia (a não ser num dia de esporte). Já ouvi dizer de pessoas que tomam cinco banhos diários. Oi? Acho que a máxima "um é pouco, dois é bom, três é demais" superválida no caso dos banhos. Tomo um antes de sair de casa. Isso é sagrado. Alemães tomam banho, sim. (Muitos falham no uso do desodorante, é verdade). Geralmente só um por dia. Ou à noite ou de manhã. Os que saem de casa sem tomar banho dizem "Mas eu já tomei banho antes de dormir, então estou limpo". Eu fico com vontade de dizer "Mas toda pessoa transpira enquanto dorme, não?". Segundo eles, lavar o rosto e passar uma toalhinha nas partes íntimas de manhã resolve o problema. Há os que tomam banho de manhã. Eu estou neste grupo. Não gosto de sair de casa sem tomar banho. O segundo banho diário às vezes acontece, às vezes não. Brasileiros relatam que os dermatologistas alemães dizem "Seus problemas de pele são causados pelo excesso de banhos". Nunca fui a um dermatologista, então não sei.

Uma vez decidi tomar um banho mais longo. Estava cansado e queria relaxar no chuveiro. Meu Mitbewohner (flatmate; o rapaz que morava comigo) alemão reclamou. Disse que tinha passado uns 20 minutos no chuveiro. Ele reconheceu que vez por outra ele tomava um banho de banheira, mas era só vez por outra (a propósito, não gosto de banho de banheira. Sei lá. Sinto-me como se estivesse me deitando no chão do banheiro. Prefiro o chuveiro). Pois bem. Esta foi a primeira e única vez que tomei um banho longo. Não por ele ter reclamado, mas porque ele tinha razão. Nem sei se ele estava preocupado com o meio-ambiente ou apenas com a conta de água no fim do mês. Não importa. Eu nunca tinha ficado tanto tempo no chuveiro e sei que não devo fazer isso. Eu já tenho o hábito de parar a água enquanto eu passo sabonete ou shampoo. Muita gente deixa a água correndo. Acho importante não exagerar. Banho quente é bom. Muito bom. Mas não é terapia e sim uma medida de higiene. Banho de 20 minutos? Que corpo é esse que precisa de 20 minutos pra tirar a nhaca? Nein, danke!

Um dia eu vi esse mesmo rapaz que morava comigo lavando a sua bicicleta no pátio. Pegou um baldinho com água, colocou um produto de limpeza na água, pegou uma esponja e desceu para lavar a sua bicicleta. Lavar a bicicleta significava pra ele passar uma esponja molhada para tirar a sujeira da bicicleta. Quando vi a cena me lembrei da minha infância. Quando meu irmão e eu íamos lavar nossas bicicletas, colocávamos as bicicletas no quintal, ligávamos uma mangueira e brincávamos com essa mangueira ligada por pelo menos uma hora. Ao ver o baldinho daquele alemão me senti péssimo. Pensei em todos litros e litros de água desperdiçados para "lavar a bicicleta". Depois me lembrei de mais mangueiras ligadas lavando calçadas (lavar calçada para quê?). Torneiras ligadas enquanto se escovam os dentes. Torneiras ligadas enquanto se passa o detergente na louça. E tantos e tantos outros desperdícios tidos como normais. Eu dizia pra mim mesmo "Se um dia acabar a água no mundo, a culpa é minha. Eu lavava a minha bicicleta com mangueira".
Fonte: http://bit.ly/1sLiIJP

E foi com um pouco de sentimento de culpa que vi a foto ao lado (clique aqui para saber mais sobre a foto). Doeu, pois é meu país. Doeu mais ainda por saber que poderia ter sido evitado. Doeu por eu já ter desperdiçado água. E não, não é culpa de São Pedro. Nem de Deus. O fato é que a falta d'água é uma realidade. E os três banhos diários de muita gente precisam ser repensados.

Ninguém precisa sair do Brasil pra aprender a economizar e valorizar a água. Não estou dizendo que só aprendi a economizar água na Alemanha. Alguns costumes (como o de fechar a torneira enquanto escovo os dentes, de não deixar o chuveiro aberto quando não estou embaixo dele) sempre fizeram parte da minha rotina. Mas vir à Alemanha me fez ver como a atitude que temos perante a água é algo fortemente cultural. Se é cultural, ela é maleável, adaptável. E faz parte da minha integração à Alemanha aprender com essas diferenças.
Peraí: Mas tomar banho de gato com uma toalhinha úmida é demais, né?

Atenção: O texto acima contém impressões e reflexões pessoais baseadas nas minhas experiências. A intenção não é generalizar que todo brasileiro/nordestino/alemão age/pensa de uma determinada forma.

Para dicas de como economizar água:
1) http://g1.globo.com/sao-paulo/blog/como-economizar-agua/1.html
2) http://www.xixinobanho.org.br/
3) http://www.ecycle.com.br/component/content/article/35/1229-seja-vegetariano-ao-menos-uma-vez-por-semana.html

(em alemão): http://www.wasser-sparen.org/

Um comentário:

  1. rs.... rs... Cê é muito engraçado Fabio! Amei ouvir seus relatos principalmente a questão da água com gás. Mas é muito estranho mesmo quando a gente vai para o exterior e se vê a comprar água. E é também uma forma da gente se reeduca. Porque aqui no nosso pais a gente não tem esse tipo de educação não. Se for analisar essa crise da falta de água em sampa e também nas grandes cidades serve mesmo pra gente se reeducar.
    Sobre a água que você diz beber da torneira você conhece essa linha de garrafas aqui: http://www.waterbobble.com/
    São garrafas com filtros. Comprando uma dessas, aí você não precisa se preocupar com essa especie de cal que tem aí nas torneiras das Alemanha. Isso é bem diga de Designer rs.... rs... :) Mas também é super sustentável (Y)
    A Ligia Fascioni fala melhor sobre essas garrafas aqui no blog dela dê uma olhada: http://www.ligiafascioni.com.br/2014/01/design-thinking-para-beber/

    Küsse.............................. :)

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