Diferente de muita gente que estuda idiomas, eu gosto de matemática. Sempre gostei. Na minha área de estudo existe essa ideia de pessoas que estudam Letras por não gostarem de matemática. Comigo nunca foi assim. Eu adorava matemática e sempre tive notas ótimas na escola. Eu até achava que fosse trabalhar na área de Ciências Exatas, provavelmente, na área de informática.
Tudo mudou quando eu tinha uns 15 anos e uma família dos EUA visitou minha família lá no interior do Ceará (contei esse causo aqui). Aquele dia foi um divisor de águas na minha vida, pois consegui pela primeira vez notar que entendia tudo o que estava sendo dito em inglês. Não só isso, eu me aventurei a FALAR inglês nesse dia. Aquela experiência foi tão fantástica pra mim que tive certeza de que queria continuar a aprender inglês. Eu queria ter aquela sensação maravilhosa de conversar com estrangeiros, de entendê-los, de falar uma língua nova. Bem, depois disso estudei espanhol e logo depois comecei a estudar alemão.
Por ser essa pessoa que gosta de matemática, meu estudo de idiomas era muito baseado em 2+2. Explico: para mim línguas funcionavam como regras da matemática. Eu só precisava aprender as regras e aplicá-las, tal como uma tabuada. Eu também sabia que também precisava memorizar as exceções. Sempre gostei de decorar tabelas, fazer declinações e conjugações. Depois disso, PRONTO, era só falar o idioma. E sempre funcionou. Memorizar as palavras principais, aprender as regras de construção de frases e as principais regras de gramática já eram suficientes para falar um idioma fluentemente.
Com a maturidade eu fui mudando o meu conceito de fluência ao longo dos anos. Já expliquei o que é fluência aqui. Mas confesso que demorei muito a considerar a parte cultural no aprendizado de línguas.
Uma das perguntas que me fizeram durante a minha entrevista para ser professor de português na Universidade de Hamburgo foi sobre a importância da Landeskunde (palavra alemã que, resumidamente, se refere a informações gerais, históricas e culturais de um país) na minha aula de português. É claro que sempre tentei passar o máximo de informações possíveis sobre o Brasil (e sobre os países lusófonos em geral) em minhas aulas, mas nunca tinha parado para refletir sobre isso.
E aí, querid@ leitor@, gostaria de fazer a seguinte reflexão com vocês. Leiam as frases abaixo.
A apresentadora Sônia Abrão publica foto de Sílvio Santos com a Rainha dos Baixinhos.
Políticos envolvidos no mensalão são amigos de réus da Lava-Jato.
As frases acima estão escritas em português.
Imagine um estrangeiro que estuda português tentando entender esta frase. Provavelmente ele entenderá que uma apresentadora de TV publicou uma foto com duas pessoas. Uma destas pessoas é uma rainha, mas rainha de quê? Quem são os baixinhos? Na segunda frase é provável que ele entenda que se trata de um tema político. Mas o que políticos têm a ver com um lugar para lavar carros? Certamente ele não encontrará "mensalão" no Houaiss ou no Aurélio.
Você percebe o quanto de informação cultural é necessária para entender as duas frases acima? Quase todo brasileiro que vê TV já ouviu falar de Sônia Abrão, sabe quem é Sílvio Santos e certamente saberá quem é a Rainha dos Baixinhos. Nem todo brasileiro saberá explicar com detalhes o que é a Lava Jato e o que foi o mensalão, mas certamente entende que por trás dos dois termos estão envolvidas denúncias de corrupção. Estes foram apenas exemplos, mas claro que há muitos temas que vão muito além do vocabulário internacional: sistema escolar, gastronomia, festas populares, momentos históricos, regionalismos, músicas etc. para citar apenas alguns.
É isso que acontece quando sabemos muitas regras da línguas, temos um vasto vocabulário, mas nos falta a experiência real com as pessoas daquele país. Com o exemplo anterior quero dizer quão importante é a imersão na cultura de um país para alcançar esta fluência que muitos almejam. É óbvio que ainda é possível aprender muito sobre a língua alemã focando apenas nas regras sobre o acusativo ou dativo e formando frases com palavras de interesse geral. Mas vivendo na Alemanha (ou na Áustria, na Suíça etc.) você esbarrará com conversas como essas... sobre os Sílvios Santos daqui, sobre os escândalos políticos daqui etc. E talvez fique boiando. Mas não por falta de dativos e acusativos.
Existem algumas estratégias para não ficar perdido em conversas com elementos históricos e culturais, mas Landeskunde abrange muitos temas, então não se cobrem tanto. É difícil saber tudo. A primeira coisa é tentar buscar informações gerais e dividir por temas:
- Política: Como funciona a política na Alemanha? Quais são os principais partidos?
- Gastronomia: Quais são alguns pratos principais da culinária alemã?
- Sistema Escolar: Como são as escolas? Que tipo de provas existem?
- Música: Cantores/Bandas/Canções que marcaram várias gerações?
- Regionalismo: Como as regiões da Alemanha se diferenciam? etc.
Um site que têm muitas informações sobre a Alemanha é este aqui. Também dá para baixar o conteúdo em forma de PDF aqui. O conteúdo também pode ser baixado em alemão aqui.
Para concluir: Semana passada estava com uns amigos alemães que estavam conversando que iam acabam com a Lindenstraße. Um estrangeiro desavisado pensaria que uma rua da cidade seria fechada. Aí o alemão me perguntou: "Você conhece a Lindenstraße?". Naquele momento me lembrei: "Ah, du meinst die Telenovela?" (Ah, você quer dizer a telenovela?). Ele ficou muito feliz por eu já ter ouvido falar dessa novela alemã que está no ar desde 1985 e que vai acabar ano que vem. Eu nunca vi nenhum episódio/capítulo, mas eu conheço os nomes de alguns dos principais programas de TV da Alemanha. Mesmo um alemão que não vê mais TV sabe o nome dessa novela.
Não deixem de lado essa busca por informações sobre o país cuja língua vocês querem aprender. Você vai ver que vai ajudar bastante a entender as conversas do dia-a-dia e a entender melhor os seus falantes :-)
Tudo mudou quando eu tinha uns 15 anos e uma família dos EUA visitou minha família lá no interior do Ceará (contei esse causo aqui). Aquele dia foi um divisor de águas na minha vida, pois consegui pela primeira vez notar que entendia tudo o que estava sendo dito em inglês. Não só isso, eu me aventurei a FALAR inglês nesse dia. Aquela experiência foi tão fantástica pra mim que tive certeza de que queria continuar a aprender inglês. Eu queria ter aquela sensação maravilhosa de conversar com estrangeiros, de entendê-los, de falar uma língua nova. Bem, depois disso estudei espanhol e logo depois comecei a estudar alemão.
Por ser essa pessoa que gosta de matemática, meu estudo de idiomas era muito baseado em 2+2. Explico: para mim línguas funcionavam como regras da matemática. Eu só precisava aprender as regras e aplicá-las, tal como uma tabuada. Eu também sabia que também precisava memorizar as exceções. Sempre gostei de decorar tabelas, fazer declinações e conjugações. Depois disso, PRONTO, era só falar o idioma. E sempre funcionou. Memorizar as palavras principais, aprender as regras de construção de frases e as principais regras de gramática já eram suficientes para falar um idioma fluentemente.
Com a maturidade eu fui mudando o meu conceito de fluência ao longo dos anos. Já expliquei o que é fluência aqui. Mas confesso que demorei muito a considerar a parte cultural no aprendizado de línguas.
Uma das perguntas que me fizeram durante a minha entrevista para ser professor de português na Universidade de Hamburgo foi sobre a importância da Landeskunde (palavra alemã que, resumidamente, se refere a informações gerais, históricas e culturais de um país) na minha aula de português. É claro que sempre tentei passar o máximo de informações possíveis sobre o Brasil (e sobre os países lusófonos em geral) em minhas aulas, mas nunca tinha parado para refletir sobre isso.
E aí, querid@ leitor@, gostaria de fazer a seguinte reflexão com vocês. Leiam as frases abaixo.
A apresentadora Sônia Abrão publica foto de Sílvio Santos com a Rainha dos Baixinhos.
Políticos envolvidos no mensalão são amigos de réus da Lava-Jato.
As frases acima estão escritas em português.
Imagine um estrangeiro que estuda português tentando entender esta frase. Provavelmente ele entenderá que uma apresentadora de TV publicou uma foto com duas pessoas. Uma destas pessoas é uma rainha, mas rainha de quê? Quem são os baixinhos? Na segunda frase é provável que ele entenda que se trata de um tema político. Mas o que políticos têm a ver com um lugar para lavar carros? Certamente ele não encontrará "mensalão" no Houaiss ou no Aurélio.
Você percebe o quanto de informação cultural é necessária para entender as duas frases acima? Quase todo brasileiro que vê TV já ouviu falar de Sônia Abrão, sabe quem é Sílvio Santos e certamente saberá quem é a Rainha dos Baixinhos. Nem todo brasileiro saberá explicar com detalhes o que é a Lava Jato e o que foi o mensalão, mas certamente entende que por trás dos dois termos estão envolvidas denúncias de corrupção. Estes foram apenas exemplos, mas claro que há muitos temas que vão muito além do vocabulário internacional: sistema escolar, gastronomia, festas populares, momentos históricos, regionalismos, músicas etc. para citar apenas alguns.
É isso que acontece quando sabemos muitas regras da línguas, temos um vasto vocabulário, mas nos falta a experiência real com as pessoas daquele país. Com o exemplo anterior quero dizer quão importante é a imersão na cultura de um país para alcançar esta fluência que muitos almejam. É óbvio que ainda é possível aprender muito sobre a língua alemã focando apenas nas regras sobre o acusativo ou dativo e formando frases com palavras de interesse geral. Mas vivendo na Alemanha (ou na Áustria, na Suíça etc.) você esbarrará com conversas como essas... sobre os Sílvios Santos daqui, sobre os escândalos políticos daqui etc. E talvez fique boiando. Mas não por falta de dativos e acusativos.
Na foto: Eu sentado num Strandkorb em Sylt. Você sabe o que é um Strandkorb? E sabe onde fica Sylt? |
Existem algumas estratégias para não ficar perdido em conversas com elementos históricos e culturais, mas Landeskunde abrange muitos temas, então não se cobrem tanto. É difícil saber tudo. A primeira coisa é tentar buscar informações gerais e dividir por temas:
- Política: Como funciona a política na Alemanha? Quais são os principais partidos?
- Gastronomia: Quais são alguns pratos principais da culinária alemã?
- Sistema Escolar: Como são as escolas? Que tipo de provas existem?
- Música: Cantores/Bandas/Canções que marcaram várias gerações?
- Regionalismo: Como as regiões da Alemanha se diferenciam? etc.
Um site que têm muitas informações sobre a Alemanha é este aqui. Também dá para baixar o conteúdo em forma de PDF aqui. O conteúdo também pode ser baixado em alemão aqui.
Para concluir: Semana passada estava com uns amigos alemães que estavam conversando que iam acabam com a Lindenstraße. Um estrangeiro desavisado pensaria que uma rua da cidade seria fechada. Aí o alemão me perguntou: "Você conhece a Lindenstraße?". Naquele momento me lembrei: "Ah, du meinst die Telenovela?" (Ah, você quer dizer a telenovela?). Ele ficou muito feliz por eu já ter ouvido falar dessa novela alemã que está no ar desde 1985 e que vai acabar ano que vem. Eu nunca vi nenhum episódio/capítulo, mas eu conheço os nomes de alguns dos principais programas de TV da Alemanha. Mesmo um alemão que não vê mais TV sabe o nome dessa novela.
Não deixem de lado essa busca por informações sobre o país cuja língua vocês querem aprender. Você vai ver que vai ajudar bastante a entender as conversas do dia-a-dia e a entender melhor os seus falantes :-)